Sergio Ibiapina Ferreira Costa

Desde quando a Organização Mundial da Saúde (OMS), em 11 de março de 2020, considerou a disseminação pelo SARS-CoV-2 uma Pandemia, iniciou-se uma verdadeira corrida sobre qual ou quais medidas seriam capazes de mitigar o sofrimento das pessoas acometidas pela doença Covid-19. Convém registrar que o país já registra mais de 100 mil mortos no prazo de seis meses, por uma mesma causa mortis.

Antes de se disseminarem medidas reais de prevenção, a começar pelo distanciamento físico e a utilização de equipamentos de proteção individual (EPIs), comprovadamente efetivas em oferecer refúgio à contaminação por molécula de RNA de potencial agressivo, instaurava-se a batalha pelas drogas capazes de prevenir e/ou tratar o padecimento. A droga inicial colocada sob suspeita de agravar as manifestações clínicas da enfermidade foi o Ibuprofeno, que, posteriormente, ficou demonstrado não interferir no transcurso da doença. Passou-se, então, a uma verdadeira batalha midiática, por vezes lastreada pelos primeiros artigos publicados em renomados periódicos científicos, a favor ou contra a utilização das seguintes drogas: Cloroquina, Hidroxicloroquina, Ivermectina, Claritromicina, Azitromicina, Dexametasona, dentre outras.

Ousadias inconsequentes, por vezes, até recomendações oriundas de ex-cosmonauta, foram recepcionadas pela imprensa, ao aconselhar a utilização do vermífugo Nitazoxanida, de denominação comercial Annita, no combate ao indigitado vírus, em entrevista no dia 16 de abril. Ao apresentar suas razões para indicá-la, teria afirmado: “se todo mundo está opinando, por que não posso oferecer minha sugestão, com base em testes?” Desde então, tais drogas continuaram em uso, algumas sob  recomendação profilática, por vezes, em diferentes fases de evolução do achaque, com grande alarde midiático, respaldadas na singela premissa: “se nada sabemos sobre a enfermidade, convém propor o emprego de um ou mais princípio ativo como finalidade terapêutica observacional!”

Isso não foi o suficiente para que se aguardassem as orientações de organismos internacionais, a exemplo da OMS, que conduzissem aos resultados preliminares das inúmeras pesquisas multicêntricas. Umas a favor, outras, em sua grande maioria, contrárias a qualquer benefício das drogas citadas acima, saindo do plano estritamente científico para ser disputado até no plano político-ideológico. O fato é que, enquanto esse cabo de guerra perdurava, outras recomendações se assemelhavam aos princípios medievais da Medicina, com sugestões atávicas recepcionadas pelo Ministro da Saúde, por um grupo coordenado pelo alcaide de Itajaí-SC, à semelhança de aplicações de ozônio anal, assunto que virou meme nas redes sociais, para dizimar o temerário vírus que segue em sua trajetória de morbimortalidade. Quase descemos às proposições de opoterapia, utilizações de sangria, ventosas, auto-hemoterapia, para não citar outras, em vias que garantem a aceitação do medicamento volatizado, fumigado, inalado, bebido ou engolido.

Não obstante, os sábios, no decurso dessa Pandemia, não deixaram de seguir os ensinamentos do austríaco Ignaz Semmeweiss (1847) e do inglês Joseph Lister (1865), que advogaram com veemência, à época, que, para se combater germes, recomendava-se técnica de assepsia como a simples medida em lavar as mãos para que se alcançassem resultados alvissareiros. O primeiro, ao combater a Sepse Puerperal, e o segundo, as infecções pós-operatórias, com corolários significativos, provando que sabão e água continuam sendo medidas profiláticas adequadas.

Quanto à balbúrdia oriunda dessa congestão literária, sobretudo daquilo que já foi publicado no prazo de seis meses a respeito da Covid-19 e que certamente deverá ser prorrogado por tempo indefinido, obriga ao resgate dos ensinamentos de Gregorio Marañon, em meados do século passado, ao afirmar que: “reunida toda a bibliografia sobre um ponto qualquer da ciência, a sua imensa extensão impedir-lhe-ia a leitura e que, mesmo para quem lesse toda, o julgamento do que nela existe de verdade e mentira seria uma tarefa inacessível à razão humana.” Essa reflexão do mestre contemporâneo, nas palavras do médico e memorialista Pedro Nava, em obra de sua autoria, Território de Epidauro, “põe a nu um dos maiores flagelos com que se tem de haver o médico, qual a improvisação hiperbólica de um contingente literário composto na sua maioria de material menos honesto e falsamente científico.”

Infere-se que, em situações assemelhadas, o médico jamais cometerá excessos quando simplesmente recomendar que seus pacientes devam restringir-se a lavar as mãos com frequência, utilizar EPIs e manter distanciamento físico, até prova em contrário! Afinal, bene vixit qui bene latuit (bem viveu quem bem se escondeu), segundo o filósofo Hermann Hesse.

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