DR. LUIZ FORTES BATISTA (1912-2004): O PRIMEIRO PATOLOGISTA DO PIAUÍ

José Figuerêdo-Silva*

INTRODUÇÃO

         O início da história da Medicina no Piauí remonta ao período colonial e, nas palavras de CARVALHO JUNIOR1, “passa, necessariamente, pela crônica de nosso primeiro médico; assim considerado aquele que – de posse de certificado oficial para o exercício da profissão – pioneiramente a praticou na antiga capitania. (…) Estava vencida na capital do Piauí, a fase do empirismo médico absoluto. José Luiz da Silva, na condição de Cirurgião Examinado e Aprovado e no exercício de Físico, marcou, entre nós, um novo tempo médico: o da medicina entre empírica e pré-científica.” O português José Luiz da Silva (última década do séc. XVIII-1842) chegou a Oeiras, a então capital provincial, em 18031. O Hospital de Caridade de Oeiras foi inaugurado solenemente em 31 de março de 1849, substituindo o velho Hospital da Milícia, também conhecido como Hospital dos Pobres. Funcionou como tal apenas até 1852; quando da transferência da capital, foi reduzido à condição de enfermaria até 1861, quando foi extinto. Em 1868, passou por reformas “para, de novo, – fechando em 1875 – encerrar definitivamente a primeira fase da história hospitalar do Piauí2.

         ASanta Casa de Misericórdia de Teresina começou a funcionar a 1º de janeiro de 1854 numa dependência do Quartel de polícia, permanecendo em situação precária. A 17 de agosto de 1861, é instalada em amplo prédio construído numa lateral do Campo de Marte3. Segundo TITO FILHO4, o Campo de Marte teve vários nomes: Praça da Santa Casa, Praça Conde D’Eu, Praça Campo de Marte, Praça 13 de Março, Praça Engenheiro Arêa Leão. É onde se localizam, atualmente, o Estádio Municipal Lindolfo Monteiro e o Ginásio Poliesportivo Dirceu Arcoverde. ASanta Casa de Misericórdia de Teresina fecha suas portas com a inauguração, a 3 de maio de 1941, do Hospital Getúlio Vargas (HGV), para onde se transferem seus especialistas3. Sem dúvida, foi o grande ponto de mutação na Medicina piauiense e é quando se destaca a figura de Luiz Fortes Batista.

UM CONSOLIDADOR EM UROLOGIA E UM PIONEIRO EM PATOLOGIA

          Luiz Fortes Batista nasceu em União (PI) a 12 de agosto de 1912, filho de Benjamim de Moura Batista – também médico, formado pela Faculdade de Medicina da Universidade do Brasil (atual UFRJ), tendo sido um dos pioneiros no Estado do Piauí5 – e de Diva Fortes Batista. Formou-se em 1938 pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (Fig.1).

Trabalhou na Santa Casa de Misericórdia a partir de 1940 e colaborou de modo decisivo na instalação e funcionamento da Clínica Urológica do HGV, onde praticou com desenvoltura as cirurgias urológicas mais frequentemente realizadas em seu tempo: prostatectomia a céu aberto, nefrectomia, uretroplastia, retirada de cálculos renais, uretrais e vesicais. Realizava citoscopia, cateterismo uretral e eletrocoagulação de tumor vesical; não chegou, no entanto, a fazer ressecção endoscópica da próstata ou de tumor vesical. Foi Chefe da Clínica Urológica do HGV de 30/09/1966 a 30/11/1972, acreditando-se que tenha assumido tal função por outros períodos. Aposentou-se do serviço público em 15/01/19826.

         Não se sabe se Luiz Batista desempenhou funções de patologista na Santa Casa de Misericórdia, na qual é mencionado como urologista3. Mas é importante ressaltar que RAMOS7,8 o coloca como Chefe do Serviço de Patologia já na primeira equipe médica do HGV. Há, nas duas obras citadas, uma foto da época na qual ele é assinalado como tal. O que parece inequívoco é que sua formação em Patologia foi orientada por dois grandes mestres. Há uma declaração do Centro Acadêmico Oswaldo Cruz da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (Fig. 2), datado de 22/07/1939, certificando que ele frequentou um curso de férias voltado para “aperfeiçoamento em Patologia Cirúrgica.” Está assinado por Eduardo Etzel (1906-2003), o sócio fundador mais idoso da Sociedade Brasileira de História da Medicina e que, de 1936 a 1939 foi assistente-chefe de Clínica Cirúrgica na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Ao mesmo tempo, trabalhava no Laboratório de Anatomia Patológica em pesquisas de Neuropatologia.Etzel demonstrou, com Moacyr de Freitas Amorim (1889-1982) e Alípio Correia Neto (1898-1988), que o megaesôfago e omegacólon endêmicos no Brasil eram uma só e mesma doença, cujo substrato anatomopatológico consistia em lesões do plexo mioentérico de Auerbach ao longo de todo o trato digestivo. Foi cirurgião torácico e, posteriormente, psicanalista. A partir de 1970, abandonou a Psicanálise e dedicou-se ao estudo da arte sacra brasileira. Viajou muito pelo interior do Brasil à cata de imagens de santos que colecionava e chegou a possuir o maior acervo de arte sacra popular, que cedeu posteriormente ao Museu de Arte Sacra do Estado de São Paulo. Publicou nove livros sobre arte sacra que o tornaram conhecido e respeitado no Brasil e no exterior como autoridade nessa área9.

         A formação do Dr. Luiz Batista em Patologia, porém, consolidou-se na Cadeira de Anatomia e Fisiologia Patológicas da então Faculdade de Medicina do Recife, tendo sido orientado pelo grande Aggeu de Godoy Magalhães (1898-1949), sobre quem seu ex-aluno, o médico e historiador paraibano radicado no Recife, Pedro VEL0SO COSTA, dá o seguinte testemunho: “assume a cadeira o mestre por excelência, sobretudo por sua excelente didática. Suas aulas primavam pela clareza, pela concisão; em 40 minutos expunha o necessário. Limitava-se, exclusivamente, ao assunto de cada aula. (…) A Anatomia Patológica, com Aggeu Magalhães se desenvolveu, e muito, projetando o Recife na literatura médica10.

         A assim chamada Escola de Patologia do Recife destacou-se, entre outros temas, pelos estudos sobre a esquistossomose mansônica. “Hoje (1978), há membros dessa Escola em posição de relevo em outras Universidades10. Entre os vários nomes de importância maior, VELOSO COSTA10 inclui o do autor deste ensaio, que se estabeleceu em Teresina em julho de 1972, sucedendo o patologista Dr. Francisco de Assis Marques dos Santos (1931-1987), o segundo patologista do Piauí que se transferira para Brasília. Nessa época, Dr. Luiz Batista aparentemente não mais exercia as funções de patologista. Ocorreram, nos corredores do HGV, alguns breves encontros entre o jovem (muito jovem, aliás) patologista que chegava e o que já era um urologista em tempo integral.

         Há três documentos históricos importantes relativos à formação acadêmica do Dr. Luiz Batista no Recife. Um deles (Fig. 3), datado de 21/03/1941, é a Portaria de No 49, assinada pelo então Diretor da Faculdade de Medicina, Prof. Oscar Coutinho, nomeando-o professor extranumerário da Cadeira de Anatomia Patológica, por proposta do Prof. Aggeu Magalhães. O segundo (Fig. 4), de 27/01/1941 e assinado pelo próprio Aggeu Magalhães, atesta que o Dr. Luiz Batista frequentou o Serviço de Verificação de Óbitos (SVO), anexo à Cadeira de Anatomia Patológica. O terceiro (Fig. 5), de 20/06/1941, também assinado por Aggeu Magalhães, é uma carta ao então Interventor do Estado do Piauí de 1937 a 1945, Leônidas de Castro Melo (1897-1981), também médico e professor. Por muito elogiosa e até comovente, partindo um homem como Aggeu Magalhães, merece ser transcrita na íntegra:

Ilustre Interventor

O Dr. Luiz Batista, depois de um estágio aqui no nosso Departamento, despediu-se hoje, por ter que regressar ao Piauí. Cumpro um dever de justiça, comunicando a V. Excia. que este digno colega deixa entre nós a melhor impressão, quer pela inteligencia e dedicação com que se houve nos trabalhos que acompanhou e realizou, quer pelo caracter nobre e boas maneiras com que se conduziu em companhia dos companheiros do Serviço.

Com a melhor simpatia e admiração,

Aggeu Magalhães

         Membro do International College of Surgeons desde 1955, Dr. Luiz Batista foi grande entre os grandes médicos de Teresina (Fig. 6) e mostrava admirável capacidade de trabalho ao conciliar as funções de urologista e patologista. De acordo com o testemunho de seu filho, Dr. Benjamim Ferraz Batista, e de alguns colegas coetâneos consultados pelo autor, realizava exames histopatológicos e autópsias. Se isso não bastasse, também foi Presidente do Instituto de Assistência Hospitalar de Piauí e Diretor do Hospital Getúlio Vargas por dois períodos: de 22/02/1949 a 30/01/1951 e de 08/05/1963 a 22/04/19646. Em 1987 foi agraciado com a Medalha do Mérito Conselheiro José Antônio Saraiva, concedida pela Prefeitura Municipal de Teresina, na gestão de Raimundo Wall Ferraz (1932-1995).


CONCLUSÃO

         Havia, quando a composição deste ensaio foi iniciada (2015), dezessete médicos especialistas em Patologia no Estado do Piauí11. Quantos deles sabem que o Dr. Luiz Fortes Batista foi o precursor de todos, numa época em que tudo, em matéria técnica, era muito mais difícil? Francisco Ferreira RAMOS (1929-2017), neurocirurgião, ex-diretor e o grande historiador do HGV, Assistente Técnico na segunda gestão do Dr. Luiz Batista como Diretor daquele hospital, já no governo de Petrônio Portella Nunes (1925-1980) – quando ocorreu a grande reforma dos anos 1960, marcada pela construção do terceiro pavimento e expansão do centro cirúrgico – exprime a seguinte opinião sobre ele: “era uma personalidade forte e muito séria12. Registre-se, aqui, uma homenagem a um homem dedicado à Medicina piauiense e que além de incentivar o desenvolvimento da Urologia foi, também, o pioneiro da Patologia no Estado do Piauí.

AGRADECIMENTO. O autor agradece a ajuda inestimável do Dr. Dr. Benjamim Ferraz Batista, filho de Luiz Fortes Batista, sem a qual seria impossível a realização deste ensaio.

REFERÊNCIAS

1. CARVALHO JUNIOR DF. História do Dr. José Luiz da Silva – O primeiro médico. In: SANTOS JÚNIOR LA. História da Medicina no Piauí. Teresina: Academia de Medicina do Piauí, 2003. p.29-32.

2. ______. História do Hospital de Caridade de Oeiras. In: SANTOS JÚNIOR LA. op. cit. p. 75-77.

3. GUIMARÃES H. História da Santa Casa de Misericórdia de Teresina. In: SANTOS JÚNIOR LA. op. cit.. p. 79-81.

5. SANTOS JÚNIOR LA, SANTANA RN. Vultos Pioneiros da Medicina no Piauí. In: SANTOS JÚNIOR LA op. cit. p. 311-325.

6. CHAVES GA. História da Urologia. In: SANTOS JÚNIOR LA. op. cit.. p. 181-186.

7. RAMOS FF. Década de 40 do Século XX. In:Memorial do Hospital Getúlio Vargas. Teresina: Gráfica do Povo. 2003. p. 121-153.

8. ______. História do Hospital Getúlio Vargas. In: SANTOS JÚNIOR LA. op. cit.. p. 89-101.

9. REZENDE JM. Eduardo Etzel, uma Vida de Ricas Vertentes. In:______ À sombra do plátano. Crônicas de história da medicina. São Paulo: Editora Unifesp, 2009. p. 377-380.

10. COSTA V. A Cadeira de Anatomia Patológica. In:______: Medicina, Pernambuco e Tempo. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 1978. p. 173-176.

11. CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO PIAUÍ. Consulta feita pelo autor em 26/05/2015.

12. RAMOS FF. Década de 60. In:______ Memorial do Hospital Getúlio Vargas. Teresina: Gráfica do Povo. 2003. p. 165-211.

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