José Hiran da Silva Gallo
Diretor-Tesoureiro do Conselho Federal de Medicina (CFM)
Doutor e pós-doutor em Bioética
Entre 2015 e 2018, um total de 93.153 meninas e adolescentes, com idades de 10 a 14 anos, deram à luz no Brasil. No mesmo período, foram registrados 1.985.996 partos em jovens entre 15 e 19 anos. Os dados disponibilizados pelo Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc) são a ponta de um iceberg que envolve falhas no sistema de ensino, ressalta o quadro de vulnerabilidade social no País e aponta a falta de uma rede efetiva de proteção e defesa dos interesses da infância e da adolescência.
Os intensos debates gerados pelo caso da menina de 10 anos, vítima de anos de abusos e agressões praticados por pessoa próxima, foram os responsáveis por lançar luz sobre essa realidade que cobra respostas de toda a sociedade. Como sugerem as estatísticas, não se trata de fenômeno isolado, mas uma situação que se reproduz em diferentes estados e municípios, afetando milhares de famílias.
Distorções desse tipo, que levam à gestação precoce, ocorrem no Brasil, facilitadas pelos quadros de pobreza e de exclusão social nos quais vivem a maioria dos protagonistas dessas histórias. Nesse sentido, o choque da revelação de abusos contra a infância e a adolescência, muitas vezes praticados por familiares e amigos, deveria dar lugar à formação de uma rede efetiva de proteção a essas meninas e meninos, que sem apoio se tornam, muitas vezes, vítimas abandonadas à própria sorte, com altos custos individuais e coletivos.
Mas quais os caminhos para proteger crianças e adolescentes brasileiros dessas situações de violência, que comprometem sua saúde e os expõem ao risco de vida? Em primeiro lugar, vale ressaltar que não há fórmulas únicas e incontestáveis, até porque as disparidades regionais fazem com que as distorções assumam contornos diferentes, com base em características locais. Porém, há medidas que obrigatoriamente devem fazer parte de estratégias de enfrentamento a esses problemas.
O ponto de partida passa necessariamente, por exemplo, pela garantia de acesso desses jovens à educação integral, com adoção de medidas correlatas para reduzir os indicadores de evasão escolar. Além do ensino formal, as escolas deveriam passar a oferecer de modo sistemático conteúdos com informações sobre saúde sexual e reprodutiva, com foco nos mais jovens.
Lembrem-se: o conhecimento é instrumento poderoso para evitar o surgimento de casos de gestação precoce e de infecções sexualmente transmissíveis. De igual maneira, empodera esses jovens a denunciar situações de abuso ou de violência das quais são vítimas.
Assim como os governos devem adotar políticas públicas que promovam essas ações citadas, a população também deve fazer sua parte, oferecendo apoio a essas meninas e meninos, que são, muitas vezes, tratados como seres invisíveis pela sociedade. Pelo contrário: todos esses jovens merecem ter sua integridade protegida, como prevê o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), devolvendo-lhes segurança, proteção, dignidade e vida.
Como médico e cidadão, preocupado com a existência dessa lamentável realidade, entendo ser necessária a união de esforços e vontades de todos – Executivo, Legislativo, Judiciário, Ministério Público, Igreja, Imprensa e movimentos da sociedade organizada, dentre outros – para fazer frente a esse desafio.
Sem isso, a polêmica envolvendo essa menina de 10 anos, que está tendo sua infância roubada, logo será substituída por outros temas nas manchetes sensacionalistas, deixando o problema da violência contra os mais jovens e vulneráveis carente de solução.
O Brasil deve ter em mente que o que está em jogo é salvar milhares de crianças e adolescentes de contextos em que convivem com abusos, desigualdade e abandono. Cabe a todos nós, num grande abraço solidário, tomar providências para assegurar que eles possam ter futuro e ajudar a construir a Nação.